10/10/2010

“Macunaíma e o bufão brasileiro: o melhor da vida é isso e ócio!"


Mário de Andrade

Mário Raul de Moraes Andrade (São Paulo, 9 de outubro de 1893 — São Paulo, 25 de fevereiro de 1945) foi um poeta, romancista, crítico de arte, musicólogo, folclorista. Participou da Semana de Arte Moderna, em 1922. Escreveu “Macunaíma” em 1928.

Macunaíma


“Macunaíma”, obra e Mário de Andrade, narra as peripécias do anti-herói Macunaíma, índio nascido na tribo dos tapanhumas, em busca da muiraquitã, ao lado dos seus irmãos Jiguê e Manaape. É considerada rapsódia. Trata-se de uma obra experimental, que rompe moldes, desafia o leitor com uma nova proposta de texto. Macunaíma é a figura emblemática do Modernismo.

Bufão


Os Bufões eram seres disformes, que na Idade Média, serviam à classe dominante. A eles era permitido dizer aquilo que pensava, através de um humor ácido e negro, lhes era permitido criticar até seus “patrões”, os senhores feudais e mais tardes nobres.
De acordo com referenciais conhecidos, podemos afirmar que o bufão  é um personagem que figura a história medieval, o subversor das instituições e ritos de caráter sério. Para além das grandes representações que figuravam o calendário das cidades medievais, durante todo o ano a praça pública, as feiras e mercados eram tomados por palhaços, bobos, bufões, comediantes e demais artistas ambulantes. Mikhail Bakhtin nos diz que: 
(...) O mundo infinito das formas e manifestações do riso opunha-se à cultura oficial, ao tom sério, religioso e feudal da época. Dentro da sua diversidade, essas formas e manifestações – as festas públicas carnavalescas, os ritos e cultos cômicos especiais, os bufões, tolos, gigantes, anões e monstros, palhaços de diversos estilos e categorias, a literatura paródica, vasta e multiforme, etc. – possuem uma unidade de estilo e constituem partes e parcelas da cultura cômica popular, (...)1
No mundo medieval o teatro e o carnaval são expressões que muito se aproximam, e sua potencia de afetação é impar, opondo-se a todo o pensamento homogeinizador disseminado pela igreja, pelo estado feudal e pelas monarquias. 
     Os festejos populares onde aconteciam os ritos cômicos ocupavam um lugar muito importante na vida do homem medieval, festejos que enchiam as praças e as ruas por dias inteiros, possuíam sempre um aspecto popular e público. O riso acompanhava também as cerimônias e os ritos civis da vida cotidiana: assim, os bufões e os “bobos” assistiam sempre às funções do cerimonial sério, parodiando seus atos (...)2
O Bufão, dentro da pedagogia de Jacques Lecoq, compreende o universo das máscaras, uma máscara corporal, do senso crítico, pois esse personagem faz parte de um universo que subentende o imaginário e o intelectivo. A máscara do Bufão por sua vez, exercita o não realismo e traz à tona um artista crítico que questiona o mundo e a sociedade em que vive de uma maneira inteligente e cômica.
O grotesco, porém lúdico que envolve o universo macunaímico pode-se assimilar com processo de criação da bufonaria que é um estado onde o ridículo e a crítica do outros e até mesmo de si estão presentes. O exagero poético e a dilatação do imaginário que Mário de Andrade propõe em sua narrativa, podem se concretizar corporalmente nestes seres-personagem.

A obra de Mário de Andrade contempla tipos bufonescos: Jiguê, na força do homem, Manaape, velhinho, Macunaíma, o herói sem caráter. No texto de Mário de Andrade, o protagonista enquadra-se nas características do bufão, seja pelo seu comportamento antiético(deita-se com as cunhada, urina na mãe,  durante o sono, cuspia na cara dos machos, na infância…) seja pela relação que estabelece com o poder (Venceslau Pietro Pietra, o gigante Piamã). O bufão tinha uma aparência monstruosa, repulsiva. Encontramos essa referência logo no início da obra (“a índia tapanhumas pariu uma criança feia”); é uma figura deslocada do grupo, assim se vêem Macunaíma e seus irmãos  diante das máquinas em , São Paulo, uma sensação de não-pertencimento.

Podemos pensar que a obra de Mário de Andrade opera um pensamento paródico em relação à criação de um projeto de construir uma história do Brasil que empreendesse um tom sério, aos moldes das canônicas interpretações da história do mundo europeu, que ignora o riso, as manifestações populares e vida que acontece fora das instituições. Ousaríamos dizer que Mário territorializa esse tipo bufanesco  em terras brasileiras; bufão este que ri dos nossos valores, de nossa singularidade histórica circunscrita no modelo da cartilha européia. O bufanesco Macunaíma, herói sem nenhum caráter parte do interior da mata, no seio de uma tribo indígena, momento de nossa história que adquire dimensões míticas, repleta de figuras arquetípicas em direção a São Paulo, sinônimo de progresso, urbanização e cópia de modelos e valores europeus. Macunaíma conhece o cotidiano da “civilização”, as instituições que emanam valores morais e legisladores, ri de tudo e mantém sua característica bufanesca. Ri daqueles que ignoram a constante pulsão carnavalesca da nossa cultura, que produz uma constante sátira a hipócrita construção de uma sociedade progressista onde o progresso consiste em trabalho exaustivo a fim de produzir capital e bens de consuma, onde a alegria suprimida possa ser sanada por intermédio do derradeiro prazer incomensurável: “O consumo” de uma infinidade produtos que a força do trabalho produziu, o dinheiro intermediário dessa relação fecha o ciclo vicioso de trabalho e consumo. E como satirizaria Adoniram Barbosa: “O progresso vem do trabalho, então amanhã cedo nois vai trabalhar”. Muito provavelmente Macunaíma responderia: “Ai que preguiça”. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário